Quem atua no mercado cosmético brasileiro, com certeza já ouviu, pelo menos uma vez, a expressão: a "Santíssima Trindade." Esse é o termo utilizado por fornecedores e operadores para designar as três grandes empresas de perfumaria e cosméticos do País: as brasileiras Natura e O Boticário, e a norte-americana Avon.
Sim, grandes grupos multinacionais como a Unilever e a L'Oréal, além da própria divisão de beleza da Hypermarcas, têm vendas equivalentes e até maiores do que algumas dessas três empresas. Mas, na maioria dos casos, tais gigantes são responsáveis por negócios fortemente lastreados na comercialização de produtos de higiene pessoal – e, exceto por algumas linhas específicas e categorias como proteção solar e coloração, quase a totalidade do que pode ser entendido como produto cosmético (sem contar os itens de perfumaria) é desenvolvido, fabricada e envasada em plantas no exterior. De certa forma, isso confere à "Santíssima Trindade a primazia sobre a maior parte dos recursos e ferramentais disponibilizados pelo mercado para o desenvolvimento de novos produtos.
Porém, ao que tudo indica, esse trio deve, num período bastante curto de tempo, se transformar num quarteto. A meteórica, mas surpreendente história da Jequiti – a operação de cosméticos do Grupo Sílvio Santos – deixa claro que o sonho antigo do apresentador de participar do badalado mercado de cosméticos no Brasil desta vez será concretizado. Para quem não sabe, Sílvio Santos montou uma operação de cosméticos no final dos anos 70. Mas, com a necessidade de investir no seu ainda jovem canal de televisão, o SBT, acabou deixando o mercado. Ironia do destino, o estoque de embalagens da operação foi vendido ao então jovem farmacêutico Miguel Krigsner, que acabou por transformar o frasco em forma de ânfora em um ícone da empresa que ele criou: O Boticário.
Criada a partir do zero, a Jequiti nasceu sob os holofotes, cercada por grandes expectativas e, também, por muitas dúvidas dos players do mercado de beleza, que conjecturavam sobre qual seria a real capacidade de a jovem empresa ter, efetivamente, uma operação relevante dentro da indústria cosmética brasileira.
Tudo correu relativamente bem nos primeiros 18 meses de atividade da companhia. Nesse período inicial, considerado bastante natural em qualquer tipo de negócio – uma vez que é nele as que neófitas no mercado buscam se estruturar, ainda mais considerando que a Jequiti ingressou no mercado de vendas diretas – os resultados da Jequiti se mantiveram em linha com as expectativas do "Homem do Baú" e de sua equipe. Apesar disso, é inegável que esse tempo plasmou também certa frustração no mercado, menos pelos números de venda em si e mais pela expectativa geral dele próprio em relação à nova operação.
Aparentemente, os controladores da Jequiti também não se deram por satisfeitos. Tanto, que já desde meados de 2008, começaram a empreender uma reestruturação geral na Jequiti, algo como uma correção de rota em pleno voo. Nesse período, o comando da empresa passou às mãos do executivo Lásaro do Carmo Jr.. Recém saído da Natura, coube a ele assumir o leme e alavancar, de maneira consistente, os resultados da empresa.
Explosão de canal
Num canal onde só é possível crescer e gerar expansão organicamente, aumentar a base de revendedoras oferecendo os produtos da marca é fundamental. "Desde 2008 começamos a oferecer alguns incentivos e diferenciais para as nossas revendedoras, que nos ajudaram a expandir e fidelizar o canal", conta Lásaro.
Talvez o melhor exemplo disso seja o "Vale-saúde, Vale-desconto", um produto do Banco Panamericano (a maior empresa do grupo), que oferece a elas descontos de até 80% em consultas médicas, serviços ambulatoriais e exames clínicos. "Sabemos que a maioria das mulheres que atuam como consultoras dependem de saúde pública, pois não têm condições de pagar por um plano de saúde. Por isso, esse benefício é um grande atrativo para elas, já que oferece uma alternativa para que possam ter acesso a uma melhor rede de serviços de saúde, algo extremamente crítico no Brasil. Trata-se de um grande diferencial da Jequiti no mercado", diz o presidente da empresa.
Outra ação importante para o aumento da base de revendedoras – e que também se vale de outro negócio do grupo Sílvio Santos – são os programas de televisão. Além do "Ganhe mais dinheiro com Jequiti", um programa que vai ao ar nas manhãs de domingos e que é direcionado ao treinamento e ao aperfeiçoamento das revendedoras, o SBT exibe o "Roda a Roda Jequiti". A atração é apresentada pelo próprio Sílvio Santos e semanalmente sorteia prêmios de R$ 100 mil em barras de ouro, além de um carro para as consultoras, consultores e clientes da empresa.
Com essas e outras ações a Jequiti vivenciou uma explosão de canal. "Em maio de 2008, tínhamos 20 mil revendedoras. Iniciamos 2009 com 50 mil e ao final de 2009 nossa rede já era de 105 mil consultoras", diz Lásaro. Com essa força de vendas a companhia gerou receitas da ordem de R$ 200 milhões em 2009.
Baseado no forte crescimento da empresa em 2009, Lásaro acredita que, em 2010, a Jequiti vai mais uma vez dobrar de tamanho: "Já temos mais 53 mil revendedoras na fila de espera, apenas aguardando a visita das nossas gerentes de venda para iniciar a venda dos produtos. Fecharemos 2010 com 200 mil revendedoras e R$ 400 milhões de faturamento", acredita o presidente.
Portfólio ampliado
Outro fator fundamental para o rápido sucesso da Jequiti foi o grande número de lançamentos realizado em 2009. "Nosso portfólio saltou de 180 produtos, em 2008, para cerca de 380 itens, fora os produtos comercializados na Vila Jequiti, a unidade de não cosméticos da empresa, que são oferecidos por meio de um catálogo à parte", conta Marcelo Martins, gerente de Inovação da empresa.
Até o final de 2010, o catálogo de cosméticos da Jequiti deverá oferecer 470 itens. Entre as novidades que serão apresentadas estão o redesenho da linha Jequitivida de produtos para banho, cabelo e pele. Primeira linha lançada pela empresa, ela, sozinha, responde atualmente por 35% das vendas da empresa. Categoria-chave, a perfumaria também vai continuar recebendo muita atenção por parte da empresa: "Teremos grandes lançamentos e extensões de marcas que já são sucesso entre as revendedoras", revela Marcelo. Entre eles estão o duo de fragrância Elo, assinados pela cantora Cláudia Leite e os perfumes masculinos da franquia Uzon.
Para se manter relevante no mercado, mais do que lançar produtos , a Jequiti terá, cada vez mais também, que investir na pesquisa e no desenvolvimento de tecnologias, a fim de garantir os diferenciais necessários para que a companhia possa competir em pé de igualdade com os grandes nomes do mercado e que, sabidamente, são pródigos investidores na especialidade. "Não existe a menor possibilidade de manter uma empresa de cosméticos relevante no longo prazo sem uma área forte de Pesquisa & Desenvolvimento", afirma Lásaro do Carmo Jr.. A estrutura de P&D da Jequiti é composta por 40 profissionais, sendo oito somente dedicados à pesquisa. É essa equipe que desenvolve os produtos da marca, exceto os itens de maquiagem. Mas a grande concentradora do foco estratégico da empresa em 2010 deverá ser mesmo a linha Jequiti Fases, de cosméticos de tratamento: "Ela vai passar por uma completa transformação. Estamos redesenhando toda a linha, e vamos agregar aos itens anti-idade um complexo tecnológico exclusivo desenvolvido por nós mesmo, que vai garantir mais eficiência e benefícios claros para as peles das consumidoras", revela Marcelo. O executivo acredita que com a reformulação, a Jequiti Fases vai estar em condições de brigar com mais força pelo mercado de produtos anti-envelhecimento no Brasil, em especial com o Renew, da Avon, e com o Natura Chronos.
Complementarmente, a empresa prepara a sua entrada também no segmento de nutricosméticos: "Vamos trazer uma nova e exclusiva tecnologia na categoria, que será apresentada as nossas revendedoras em 2010", abre Lásaro.
Brasilidade no DNA
Se nos primeiros três anos os esforços de marketing e comunicação estiveram centrados na montagem do portfólio e na captação de consultoras, em 2010 a Jequiti tem como compromisso com si mesma fortalecer a comunicação da marca e dos seus valores e atributos. "Nascemos dentro de um grupo 100% brasileiro, que sabe falar para o nosso povo e que cria produtos que atendem aos anseios dessa população. Isso está no DNA do nosso grupo. E, obviamente, a marca Jequiti também incorporou essa característica à sua identidade", pontua Marcelo Martins.
Por isso, segundo o gerente de Inovação da empresa, a comunicação da Jequiti vai se basear no conceito da brasilidade. Não no sentido dos ativos e ingredientes do País, como muitas empresas já exploram, mas sim no jeito de ser, no estilo de vida do brasileiro: "Nosso portfólio é bastante colorido, dinâmico e alegre, assim como o povo que vive neste País. Vamos trabalhar bastante essas características", explica.
A força do patrão
Álém do suporte financeiro e da possibilidade de utilizar produtos e serviços de negócios tão diversos como um banco e um canal de televisão para crescer, nascer dentro do Grupo Sílvio Santos deu à Jequiti outras vantagens: "Somos uma empresa muito nova, temos apenas três anos de vida. Isso é muito pouco tempo para você criar um vínculo afetivo e emocional com o canal de vendas", contemporiza Lásaro Ramos.
Considerando que a grande maioria das consultoras trabalha com mais de uma marca e que empresas como a Natura e a Avon operam com sucesso no Brasil há 40 e 50 anos, respectivamente, mantendo cada uma mais de um milhão de consultoras cadastradas, conquistar um espaço na mente e, principalmente, no coração das revendedoras brasileiras é uma tarefa árdua. E é justamente nesse ponto, que a presença do personagem Sílvio Santos – mais até do que a do empresário de visão Senor Abravanel – faz toda a diferença.
"O Sílvio é o maior comunicador do Brasil e um dos melhores vendedores que este País já viu. Ele tem a credibilidade do povo e, ao longo de cinco décadas de trabalho, conseguiu como ninguém entrar na casa dos brasileiros e criar um vínculo de admiração e respeito com esse público. E, apesar de não fazerem o link Sílvio Santos-Jequiti diretamente, as pessoas sabem que as empresas são dele. E isso, obviamente, cria uma relação mais passional, fundamental para a venda direta e que certamente está contribuindo para o sucesso da Jequiti", justifica Lásaro.
A força e a presença de Sílvio Santos são tão marcantes que em um dia em que se divulgou que ele iria participar de um evento da empresa, conseguiu reunir cerca de 900 consultoras da marca ostentando, ao mesmo tempo, um broche da Jequiti e um pin com o logotipo do SBT. Presente ao evento, o próprio Lásaro se surpreendeu: "A relação de afeto e respeito delas com o Sílvio é impressionante. Elas me falavam: "– Olha eu vou fazer uma crítica, mas você não conta para ele..." Para Lásaro, essa interação tem tudo a ver com o espírito e a proposta da Jequiti: "Não é só negócio – queremos fazer parte da vida dessas pessoas, como o programa de televisão e o Sílvio fazem de maneira magistral há 50 anos", enfatiza o presidente.
Como empresário, Sílvio não se envolve no dia a dia da operação, mas não deixa de acompanhá-la de perto, por meio de reuniões semanais com Lásaro, nas quais, como não poderia ser diferente, faz questão de dar suas opiniões sobre o desenvolvimento de novas ideias e produtos. O lançamento da linha de desodorantes sem perfume da empresa, por exemplo, foi sugestão dele.
Atualmente, duas das filhas de empresário estão envolvidas no negócio. Rebeca Abravanel, comanda a Vila Jequiti, unidade de não cosméticos da empresa. Já Patrícia Abravanel, que participou da fundação da companhia, está de volta à Jequiti depois de uma temporada nos Estados Unidos, se aculturando ao negócio como um todo.
Pronta para crescer
Para sustentar seu crescimento meteórico, a Jequiti teve que se preparar. "Ao mesmo tempo em que concluímos a reestruturação e definimos um plano de investimento robusto em marketing e comunicação, nos preparamos para suportar o crescimento que estava por vir", lembra Lásaro. "Compramos linhas de separação, investimos em tecnologia de informação e pessoal", emenda.
A distribuição também foi redesenhada. Os pedidos, que antes levavam entre sete e dez dias para serem entregues, hoje são realizados em até 24 horas em São Paulo. Já o quadro de funcionários passou de 160, em 2008, para 534, em 2009. Dessa equipe fazem parte 285 gerentes de vendas, distribuídos por 12 regionais. "As áreas internas da Jequiti são bem robustas. Estamos preparados para dobrar de tamanho novamente", garante seu presidente. E a Jequiti não tem planos de frear o seu crescimento. De acordo com as projeções de seus gestores, entre 2012 e 2013 a empresa deverá estar operando a partir de sua própria unidade fabril. "Não existe nenhuma grande empresa do setor que consiga se projetar no mercado por muito tempo terceirizando toda a sua produção", diz Lásaro. Por conta do forte crescimento – e a fim de evitar rupturas – a companhia é obrigada a manter níveis de estoques elevados. "Se continuar assim, a conta simplesmente não vai fechar", analisa o executivo.
Consequências do sucesso
Prova contundente do sucesso da Jequiti no mercado é a relação com seus fornecedores. "Quando elaboramos o redesenho da nossa distribuição em 2008, nenhuma transportadora queria nos atender. Hoje, todo o dia temos uma na nossa porta, querendo trabalhar com a Jequiti", cont a Marcelo Martins. Entre os partners de matérias-primas, fragrâncias e embalagens a situação também mudou. "Os fornecedores deixaram de perceber a Jequiti como uma promessa, passando a encará-la como uma realidade, uma companhia de sucesso", comemora o gerente de Inovação.
Em 2009, a Jequiti realizou a sua primeira premiação de fornecedores, elegendo os melhores parceiros em cada categoria. "Problemas como rupturas e atrasos na entrega de materiais acontecem hoje em número muito menor", conta Marcelo, que encontra eco no presidente da empresa: "Hoje, somos um cliente importante para todo o mercado", pontua Lásaro.
E, se tudo correr como planejado, não será difícil que, em alguns anos, o mercado crie uma nova expressão para definir o grupo das empresas dominantes do mercado. O "Quarteto Fantástico", sem dúvida, é uma boa sugestão. E adivinhe quem vai ser o quarto elemento? Ponto para quem levantou a mão e disse "Jequiti".
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